Democracia constitucional

Em outubro de 2009 o país atingirá 21 anos de vigência da Constituição de 1988. Nem as mais graves crises políticas ou econômicas do período foram capazes de desfazer o regime de competências e garantias estabelecido em seu texto normativo. Lembremos dos diversos “planos econômicos”, aquelas tentativas seguidamente frustradas de estabilizar o valor da moeda nacional e combater a hiper-inflação. Todos esses planos alteravam abruptamente o regime de correção monetária do país, interferindo nos investimentos e na poupança dos brasileiros. Foi assim com o “plano cruzado”, “plano verão”, “plano Collor I e II” até o “plano Real”, que finalmente conseguiu estancar a inflação. Essas interferências governamentais, muitas vezes promovidas por medidas provisórias reeditadas sucessivamente, foram contestadas na Justiça sob a alegação de violação do direito adquirido, previsto no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição. Muitas obtiveram êxito, como no caso do FGTS, julgado em Recurso Extraordinário (aos milhares) no Supremo Tribunal Federal.

E o Brasil descobriu a Justiça. Ou melhor, descobriu que, no regime de vigência da nova Constituição, se não é sempre possível promover a cidadania e o respeito aos direitos na via política (legislativa e executiva), talvez seja possível fazê-lo pela via judicial. Os números do movimento de processos explodiram na década de 1990, chegando a impressionante cifra de 150 mil processos novos por ano no órgão de cúpula do sistema judicial, o STF.

Desde então, toda questão socialmente relevante no Brasil tem sido enfrentada sob a ótica do seu enquadramento constitucional, o que transforma o Supremo em órgão central no cenário das decisões políticas nacionais. Além dos casos relativos aos planos econômicos (FGTS, Poupança, reajuste de aposentadorias e pensões…), foi de lá que saiu a regra da fidelidade partidária; a disciplina das comissões parlamentares de inquérito; os limites à edição de medidas provisórias; a autorização para as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas; a fixação de limites para a demarcação de terras indígenas; o fim da prisão civil do depositário infiel e do alienante fiduciário; a proteção da liberdade de expressão, do direito de reunião, do sigilo de dados, da intimidade…

É verdade que muitas vezes as decisões judiciais, principalmente na esfera constitucional do STF, provocam desgosto e incompreensão, outras vezes até desconfiança. É o caso das decisões em habeas corpus que determinam a soltura de pessoas investigadas por crimes de colarinho branco, por exemplo. Esse debate, no entanto, não fica mais restrito aos corredores e gabinetes do Tribunal. O acirramento da disputa retórica interna aliado ao fato de que as sessões do Plenário do STF são transmitidas ao vivo levam os debates constitucionais importantes para as arenas ampliadas da Política e da Opinião Pública. Assim, se o Supremo passa a judicializar a vida democrática, talvez tenha começado a perceber que sua jurisdição também passa a ser “contaminada” pela Política, naquilo que a escolha democrática tem de mais caro, além da publicidade, as exigências de tratamento isonômico (rompimento com privilégios), de respeito pelas diferenças (não-discriminação negativa) e promoção social de mais oportunidades (direitos sociais, econômicos e culturais).

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