Uma questão de direitos fundamentais

O DIREITO NA IMPRENSA

Estadão, censura e autocensura

Por Dalmo de Abreu Dallari em 14/10/2009

Perguntar a alguém, mesmo que não seja da área jurídica, o que acha da censura imposta à imprensa é esperar uma resposta óbvia: todos são contrários à censura, já por configurar uma restrição antidemocrática, mas também porque a Constituição brasileira estabelece expressamente, no artigo 5º, inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística,científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Esse dispositivo conjuga-se com o que estabelece a Constituição no capítulo referente à “Comunicação Social”, no artigo 220, parágrafo 2º, segundo o qual “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Entretanto, é igualmente importante considerar que a Constituição nesse mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, dispõe que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo5º, IV, V, X, XIII e XIV”. É de fundamental importância ressaltar o disposto no inciso X desse artigo, onde está expresso que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, enquadrando-se nessa proteção à intimidade e à vida privada a proibição de interceptação de comunicações telefônicas. Considerando, porém, que em circunstâncias excepcionais a violação dessa proteção pode ser de grande importância para a defesa de direitos fundamentais de alguma pessoa ou de toda a sociedade, existe previsão legal da invasão da intimidade pela autoridade policial que esteja procedendo a uma investigação criminal, com prévia autorização judicial. Mas o Juiz que autorizar essa invasão da privacidade poderá também determinar que os dados assim obtidos permaneçam sigilosos para o resto da sociedade, enquanto perdurar a investigação. Isso porque já ocorreram muitos casos de denúncias infundadas, inspiradas nas mais diversas motivações, além do que a publicidade antecipada pode prejudicar seriamente uma investigação.

Defesa da intimidade

Está ocorrendo neste momento uma situação que envolve essas questões e que deve ser analisada com atenção e cuidado, para que a avaliação dos fatos seja feita com prudência e justiça. Trata-se da proibição imposta por decisão judicial ao jornal O Estado de S.Paulo, quanto à divulgação de dados constantes de uma investigação policial em curso na Polícia Federal. Alega o jornal que está ocorrendo censura inconstitucional e antidemocrática, pois estaria impedido de publicar dados sobre irregularidades cometidas pelo empresário Fernando Sarney. Muitas pessoas ouvidas pelo jornal, inclusive eminentes personalidades da área jurídica, fizeram pronunciamentos veementes, alguns criticando duramente a decisão judicial, embora desconhecendo o seu teor. Analisando-se o conjunto dos fatos, cabe aqui um sério reparo ao tratamento dado à matéria pelo jornal diretamente interessado. Com efeito, embora a decisão judicial seja de 30 de julho e não obstante estar dedicando grande espaço ao assunto, diariamente, até agora o jornal não publicou o texto da decisão que proibiu a divulgação de dados. A notícia divulgada tem sido no sentido de que o juiz proibiu a divulgação de qualquer fato relativo às atividades de Fernando Sarney, com a insinuação de que a proibição abrange toda a família Sarney. Como tem ficado óbvio, nenhum dos que opinaram sobre a proibição sabe exatamente o que foi proibido. E no entanto nada impedia nem impede o jornal de publicar o inteiro teor da decisão judicial. Com efeito, diz o referido artigo 5º da Constituição, no inciso LX, que “a lei só poderá restringir a publicidade de atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

Investigação criminal

No caso em exame a decisão judicial não foi declarada sigilosa – e para comprovação de que são livres o acesso àquela decisão e sua publicação passo a transcrever o trecho que interessa aos presentes comentários, e que obtive sem qualquer dificuldade: decidiu o Tribunal “determinar ao agravado [o jornal] que se abstenha quanto à utilização – de qualquer forma, direta ou indireta – ou publicação dos dados relativos ao agravante (Fernando Sarney) eis que obtidos em sede de investigação criminal sob sigilo judicial”. Como está bem claro, só ficou proibida a publicação dos dados obtidos durante a investigação sigilosa. Nada impede a publicação da decisão judicial, como também a publicidade de todos os dados que forem obtidos sobre a pessoa e os negócios de Fernando Sarney, desde que obtidos por qualquer outro meio que não a investigação criminal sigilosa. A omissão dessa publicidade é uma autocensura e censura do jornal aos leitores.

Observatório da Imprensa

Sobre o complexo de vira-latas

RIO OLÍMPICO, 2016

Indiferença em vez de otimismo

Por Washington Araújo em 6/10/2009

Ele conquistou auto-suficiência em petróleo, passou a ser emprestador do Fundo Monetário Internacional. Ele descobriu que dispõe de imensas reservas de petróleo na camada do pré-sal, em uma faixa de não desprezíveis 800 quilômetros entre os estados do Espírito Santo e Santa Catarina. Ele trouxe 20 milhões de pessoas da miséria para a pobreza e 18 milhões de pobres subiram à classe média. Ele será palco do maior evento futebolístico do mundo – a Copa do Mundo de 2014. E, de quebra, em 2016 já foi escolhido para sediar as primeiras Olimpíadas da América Latina. Na maior crise econômica mundial pós-1929 ele encarou os desafios, esnobou a velha ordem econômica esclerosada – e em vertiginosa queda – com a alcunha de “marolinha” e foi o primeiro país a retomar o crescimento econômico. De celebrada 10ª potência econômica mundial já vem sendo anunciado, em previsão de peso-pesado do Banco Mundial, que em 2016… será a 5ª maior economia do mundo. Em meio a barulhentos vizinhos que movem mundos, fundos, alteram Constituições tudo em esforço concertado para se perpetuar no poder, ele continua dando mostras de que a alternância democrática é o que melhor condiz com sua história e melhor será para seu futuro. Ele é o Brasil. Aquele sempre cantado em verso e prosa como o Brasil-brasileiro e o gigante deitado eternamente em berço esplêndido. Assisti inteiramente concentrado na transmissão (por sinal muito boa) da Rede Record de Televisão, minuto a minuto, a cerimônia em Copenhague para a escolha por parte do Comitê Olímpico Internacional (COI) do país-sede das Olimpíadas de 2016. Assisti o nome do Rio de Janeiro ser anunciado e a algazarra (palavra com cheiro de naftalina mas muito oportuna) no salão. Depois fui conferir a maneira como o mundo se curvava ao Brasil.

Chacinas em pauta

Barack Obama diz que “vitória do Brasil (para sediar Olimpíadas) é histórica”. A rede CNN destacou que “o Rio desbancou Chicago, Madri e Tóquio”, o New York Times não deixou por menos e em seu site na internet destaca a escolha da cidade como a primeira da América do Sul a sediar uma edição das Olimpíadas. O principal jornal espanhol, El País, abriu longa manchete em seu site: “Madri ficou a um passo do sonho. O esforço diplomático dos últimos dias não deu frutos e o Rio se impôs na última curva”. O francês Le Monde dava a escolha do Rio como notícia principal e não deixava de alfinetar seus vizinhos: “Os brasileiros comemoram, os espanhóis lamentam”, dizia um título. Até o principal diário esportivo dos hermanos, o argentino Olé, não se conteve: “Se festeja en Río, duele en Madrid, decepción en Chicago (Obama inclusive), y quién sabe qué se dice en Tokyo…” O Clarín deixou claro desde os últimos dias que a Argentina era espanhola desde sempre e passamos a acreditar que a Argentina compartilha fronteiras com o Brasil por mera ironia geográfica. Não causou mesmo espanto ver que a nossa Cidade Maravilhosa (e agora Olímpica) ganhar de Chicago, Madri e Tóquio só podia mesmo doer no âmago da alma portenha. Coisas da vida. Fazer o quê? Mas não sei o que acontece com nossa imprensa. Na hora de mostrar otimismo fica indiferente. Dos jornais de maior circulação do país apenas o Jornal do Brasil levou à manchete o assunto das Olimpíadas. Publicou o diário carioca, na sexta-feira (2/10): “Rio 2016. É hoje!” O Globo, a Folha e o Estadão trataram mesmo foi do Enem e os dois diários paulistas, qual dupla sertaneja, elevaram ao altar principal as mesmas palavras: “PF investiga vazamento”. Temos que convir que a depender do entusiasmo de nosso jornalismo auriverde o maior evento esportivo do planeta em 2016 poderia se dar em terras madrilenhas, na Gotham City norte-americana ou na terra do Sol Nascente. Tudo, menos na ensolarada Rio de Janeiro, cidade que melhor vende a imagem do Brasil mas que freqüenta o noticiário nativo quase que unicamente através da cobertura de chacinas nos morros cariocas, nas incursões da polícia quando não de efetivos do exército para reprimir o narcotráfico ou quando nos informam do extermínio de meninos (e meninas) de rua.

Dia de celebração

Repassando as manchetes dos sete principais jornais brasileiros de sexta-feira (2/10), observamos com certo desalento que seis se ocupam do vazamento de provas do Enem e apenas um, o de menor circulação – e carioca ainda por cima – resolve dar um refresco e dá um voto de confiança ao evento de maior potencial midiático passível de ocorrer em nosso país. É que temos especialistas no Brasil que não dá certo e pouquíssimo traquejo para com o Brasil que pode dar certo. E não me venham com a ladainha de que não temos boas notícias para apurar, assuntos interessantes para repercutir. Basta reler o primeiro parágrafo deste texto. Que mais esperamos de bom para elevar nossa auto-estima e de quebra passar uma boa imagem do Brasil? Falta ainda termos um brasileiro pisando em solo lunar. E também o médico Miguel Nicolellis ganhar o Nobel de Medicina, Lygia Fagundes Telles trazer para o Brasil o Nobel de Literatura. E um filme brasileiro ganhar o Oscar de melhor filme. Pode até ser na categoria melhor filme estrangeiro. O Brasil poderia também ganhar assento no Conselho de Segurança da ONU, mas ainda é pouco para satisfazer nossas expectativas. É como se nossa imprensa visse o Brasil sempre com viés de baixa (para usar um linguajar típico do noticiário econômico). Poderíamos começar a trabalhar para ter uma imprensa pautada pela ética e pela duradoura defesa dos direitos humanos. Uma imprensa que saiba distinguir opinião pública de opinião publicada, interesse público de interesse privado. E, quem sabe?, na medida em que formos transpondo as águas do rio São Francisco no Nordeste brasileiro poderíamos começar a transpor para a educação brasileira, em todos os níveis, do elementar ao superior, essa coisa chamada qualidade. De qualquer forma nada disso impede que festejemos um pouco nossas conquistas. Sonhos que foram de passadas gerações de brasileiros. Hoje não é dia de recolhimento. É de celebração. E não é todo dia que a terra descoberta por Cabral pode assistir a um placar assim: Rio, 66 votos. Madri, 32. Goleada!

Do Observatório da Imprensa

Colisão de direitos

A Justiça do Rio Grande do Sul autorizou o aborto de um feto de 23 semanas diagnosticado com anencefalia. O desembargador Newton Brasil de Leão, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, considerou que nesta condição não é possível que o feto se mantenha vivo.

Ao determinar a imediata expedição do alvará autorizando a mãe a realizar a antecipação do parto, o magistrado afirmou que o caso deve ser julgado com a devida urgência. “A cada dia que a gestante desenvolve a indesejada gravidez, os riscos da intervenção médica se aprofundam, razão pela qual estou dando provimento ao recurso”, afirmou em decisão monocrática.

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Decisão de primeira instância já havia negado a interrupção. O Ministério Público pronunciou-se favoravelmente ao pedido.

O desembargador lembrou que a Câmara do TJ gaúcho, na maioria das vezes, autoriza o aborto. Em outros julgamentos, os magistrados já entenderam que a interrupção da gravidez tem caráter terapêutico, pois pretende salvar a vida da gestante.

Em outro caso citado pelo magistrado gaúcho, reconheceu-se que o direito não é algo estático e que, portanto, deve se adequar à realidade. “Estados brasileiros têm autorizado a interrupção da gravidez, nos casos assemelhados, sob o entendimento de não ser justo obrigar uma mãe a gestar um ‘amontoado de células humanas sem expectativa de vida’”, dizia a decisão.

A questão sobre a interrupção da gestação de fetos anencéfalos deverá ser decidida de forma definitiva pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A ação, que tramita desde 2004 na Corte, tem o objetivo de que a legislação penal não seja aplicada aos casos de aborto dos fetos anencéfalos, que na grande maioria das vezes não sobrevivem após o parto.

Última Instância

Colisão de princípios

Justiça manda recolher revista que chama cariocas de “máquinas de sexo”

Da Redação – 25/08/2009 – 16h25

A Justiça determinou a retirada de circulação de um guia turístico que vende a imagem do Rio de Janeiro como um paraíso de exploração sexual. A liminar do Tribunal Regional Federal da 2ª Região atende a uma ação movida pela AGU (Advocacia Geral da União) e prevê o recolhimento imediato da revista “Rio for Partiers” (Rio para festeiros), que qualifica as mulheres cariocas como “máquinas de sexo”. O pedido de recolhimento partiu da Embratur (Empresa Brasileira de Turismo), que mostrou preocupação com o incentivo ao turismo sexual na cidade, além de apontar uma “exposição vexatória do povo brasileiro” aos demais países. A publicação define o carnaval como “festas ao ar livre com atividades de semi-orgia” e indica locais propícios para os turistas que procuram sexo no Rio. Segundo a revista, as cariocas podem ser classificadas em quatro tipos. As “popozudas”, por exemplo, seriam um bom investimento, já que “o motel é sempre uma possibilidade com essas maravilhas”. De acordo com a decisão, a Editora Solcat, que produz o guia, deverá retirá-lo de circulação e remover seu conteúdo da Internet, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. Segundo a AGU, a decisão poderá ser revista apenas na ocasião do julgamento definitivo do processo. “Pelo teor da publicação, restam violados os princípios da Política Nacional de Turismo e um dos fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito —a dignidade da pessoa humana, tendo em vista a exposição vexatória do povo brasileiro com o intuito de promover a exploração sexual”, diz a defesa elaborada pelo procurador federal Marco di Iulio. Estereótipos Além das “popozudas”, as cariocas são classificadas como “Britney Spears”, “hippie/raver” e “Balzac”. As “Britneys” seriam as filhinhas de papai, que se vestem como a cantora, mas não deixam ninguém cantá-las. “Pode esquecê-las a menos que seja apresentado a uma”. Já as “hippies/ravers” são “garotas divertidas, fáceis de se aproximar, fáceis de conversar, difíceis de beijar, fáceis de ir para a balada”. A “Balzac” é a mulher que “quer se divertir, dançar, beber e beijar”. O guia sugere tratá-la “como uma dama, que elas te tratarão como um rei, talvez não hoje à noite, mas amanhã com certeza”.

Última Instância